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Turismo e Desenvolvimento:Para Além da OTA e do TGV. Ver mais em I&D PDF Imprimir E-mail

Turismo e Desenvolvimento:
Para Além da OTA e do TGV[1]

Resumo:

O país que somos, com as suas grandes regiões sujeitas ao ermamento e ao flagelo crescente dos incêndios, continuará "a ver passar os comboios e aviões", se reduzir o debate à importância dos "litoralizados" OTA e TGV enquanto única ligação estratégica à Espanha, à Europa e ao Mundo, atribuindo-lhe papel decisivo, como se constituíssem, por si só, o elo da cadeia que conduzirá o país a uma nova etapa de desenvolvimento." ...A existência dessa rede de aeroportos em Espanha, a par do incremento da oferta do turismo cultural, constituíram factores decisivos para suster a queda do número de turistas e aumentar o seu valor acrescentado..."


Discutem-se os projectos da OTA e do TGV como se o país fosse apenas Litoral e não houvesse mercado ibérico. Questiona-se o seu impacto sobre o turismo de Lisboa, como se não estivesse em causa, pelo menos, o turismo na grande Região Centro, recentemente ampliada com os concelhos do Oeste e Médio Tejo e que se alonga até ao Douro e às fronteiras abertas da Estremadura e Castilla y León.
A indústria do turismo, que enfrenta em toda a bacia do mediterrâneo a crise do modelo de sol e praia com a oferta de novos produtos do turismo cultural, de natureza e do turismo rural, emergentes no mercado ibérico, é a base da estratégia de desenvolvimento alternativo à agonia da agricultura e do mundo rural das suas regiões e autarquias, ou apenas uma frase propagandística dos principais decisores políticos e económicos?

O que ensina o Mercado Ibérico


O que ensina, afinal, o mercado ibérico de turismo? Portugal era em 1998 o primeiro destino turístico dos espanhóis e presentemente é o segundo, a nossa cota de mercado de 40% baixou para 12%. Se centrarmos a análise dos números na estrutura mais rentável da cadeia de valor da indústria e, no caso da Região de Turismo do Centro, o número de dormidas dos turistas espanhóis na hotelaria e similares baixa 25% em dez anos. A pergunta é, porquê?". A resposta do senso comum, tornou-se diagnóstico oficial com o fatalismo dos estudos que classificaram o território como mera "região de passagem".
Mas esse é o problema. O país que somos, com as suas regiões do interior sujeitas ao ermamento e ao flagelo crescente dos incêndios, continuará "a ver passar os comboios e aviões", se reduzirmos o debate à importância dos "litoralizados" OTA e o TGV enquanto única ligação estratégica privilegiada não só à Europa e ao Mundo, mas também à Espanha, atribuindo-lhe papel decisivo, como se constituíssem, por si só, o elo da cadeia de infra-estruturas que conduzirá o país a uma nova etapa de desenvolvimento. Se não analisarmos os outros factores determinantes do desenvolvimento sustentável, incluindo as novas condições do mercado turístico e a rentabilização das suas Cadeias de Valor, a mão de ferro do mercado ajustará as suas contas com os erros e as fantasias políticas, venham elas dos defensores ou dos adversários daqueles projectos. Mas a que preço?
Os turistas e excursionistas provenientes de Espanha, representam, pelo menos desde 1998, cerca de 80% do número de visitantes e mais de 50% das receitas do turismo estrangeiro! Como se justifica então, a persistência de uma estratégia do turismo português, na sua organização e promoção, reduzida aos centros de Lisboa, Algarve e Madeira, periféricos face ao mercado ibérico e aos principais centros emissores espanhóis?
A nova Espanha, das comunidades e regiões autónomas, é o segundo destino turístico mundial, em número de chegadas, depois da França, e ocupa o mesmo lugar em receitas, a seguir aos EUA. Em 2004, recebeu mais de 53,5 milhões de turistas, concentrados sobretudo no litoral mediterrânico, 48,5% e nos arquipélagos, 37,2%. A Catalunha, desde há alguns anos, é o destino mais procurado, com 23,8%. Para alcançar este resultado a sua oferta de sol e praia foi complementada com os novos produtos e serviços do turismo cultural e de natureza e do turismo rural.

A importância do Turismo Cultural e das estruturas aeroportuárias


Os turistas chegam a Espanha sobretudo através dos aeroportos, 71,9%, em automóvel, 22,6%, de barco, 4,8% e, por caminho-de-ferro, menos de 1%. Notem bem, apenas 1% e isto inclui todos os tipos de turismo, mesmo o de negócios. E se formos verificar os dados mais recentes dos fluxos do turismo interno, do modo de viajar dos turistas espanhóis, verificamos que apenas 1,8% recorrem ao comboio, enquanto cresce a utilização do avião 56,6% e do automóvel privado, 32,3%. É o transporte ferroviário mais conforme com a defesa do ambiente, mas a economia global ri-se da ecologia, e, assim sendo, a realidade económica aconselha a investir estrategicamente o mínimo necessário nesta alternativa de transporte, e, em nenhuma circunstância dispensa uma rede de pequenos e médios aeroportos, como parecem evidenciar outros dados colhidos do mercado espanhol.
 A existência dessa rede de aeroportos em Espanha, a par do incremento da oferta do turismo cultural, constituíram factores decisivos para suster a queda do número de turistas e para aumentar o seu valor acrescentado, sobretudo graças ao incremento dos voos de baixo custo (low coast). Em 2004, dos 38,5 milhões de turistas chegados de avião, 14 milhões utilizaram esta modalidade, registando um crescimento de 33,3%. Na Catalunha, esta percentagem subiu aos 61% e nos arquipélagos, que vinham registando quebras substanciais de -2,9% a -7,3% no número de turistas, o aumento desses voos foi também decisivo para inverter a diminuição de chegadas, tal como a quebra de rendimento do turismo, que em Espanha, descera no período 2002/2003 em 2% e voltou a crescer 3,3% no ano de 2004.
Por outro lado, e como vimos, os espanhóis que em 1998 viajavam sobretudo de automóvel, recorrem agora, em mais de 56,6%, ao avião. Este dado explica muito do porquê da proximidade transfronteiriça deixar de ser uma vantagem absoluta, e Portugal ter visto baixar a sua cota de mercado dos turistas espanhóis.
Mas num país pequeno não serão suficientes a OTA e Pedras Rubras? Afinal, com as novas auto-estradas chega-se entre uma a duas horas e meia às regiões do interior! Então, é preciso perguntar: alguém inquiriu os turistas sobre o assunto, ou apenas os questionaram sobre a ligação a Lisboa? Para obter uma resposta aproximada, regressemos ao mercado de Espanha. Se cruzarmos os dados das chegadas aos primeiros destinos com a escolha posterior de um segundo destino, os resultados são claros: apenas 4,4%, 4,8% a 9,9 % viajam de novo a partir da Catalunha, Comunidade Valenciana e Andaluzia, e o máximo de 22,4% verificado a partir de Madrid, diz sobretudo da sua centralidade geográfica. Assim sendo, não julgo credível defender que o nosso mercado possa funcionar sustentavelmente contra as tendências expressas pelos fluxos turísticos do principal mercado ibérico.
E passo a analisar a questão do motivo da viagem turística. Os números que apresentámos inicialmente, colhidos sobretudo nos estudos e relatórios do ITE de Espanha, parecem apontar ainda para o predomínio do produto sol e praia, mais gastronomia. Só que a pele da realidade pode iludir-nos. O turismo cultural já é o motivo da viagem de 14,3% dos turistas que chegaram ao país vizinho em 2004, e, quando se inquire o conjunto dos 53,5 milhões perguntando quais as actividades desenvolvidas, mais de 26,2 milhões, isto é 54,1%, respondem ter realizado actividades culturais, enquanto cerca de 13,5 milhões afirmam ter praticado actividades desportivas (incluindo várias formas de turismo activo e de natureza), e só depois vem a diversão e as discotecas, com um pouco mais de 13,2 milhões e a gastronomia, com 4 milhões. Assinale-se que o golfe e o jogo em casinos representam em termos absolutos um valor relativamente pequeno, 1,2 e 0,9 milhões. Estes resultados apontam no sentido oposto às ideias dominantes em Portugal acerca das motivações e atracções turísticas.
Assim sendo, receio bem que as auto-estradas e IPs, e os 10 estádios de futebol sejam um investimento muito menos estratégico e muito mais caro, no que se refere ao desenvolvimento do turismo, do que a construção/ampliação/remodelação de uma rede de aeroportos de média dimensão em Coimbra (ou Viseu) e Covilhã, para servir o Centro de Portugal, em Lamego/Vila Real para servir o Douro, como para as outras regiões ditas "do interior". Isto se queremos que Portugal seja um destino turístico múltiplo e moderno e aqui aporte o tipo médio de turista que deixa, de facto, mais valias; e saliento que, em Espanha, o gasto médio do turista chegado de avião foi de 985 € e daquele que viajou de automóvel 513 €.
Mas o valor acrescentado das actividades culturais acentua-se quando se cruzam estes dados com a segmentação das receitas: os turistas ocupados com actividades culturais representam 58,1% dos gastos totais em Espanha, quase o dobro dos que preferem as diversões e discotecas, 32,2% dos gastos! Assim, chegamos a um perfil sócio-económico do turista que não é aquele que o nosso modelo de oferta e promoção turística tem vindo e pretende continuar  a atrair.
E este já não é um problema apenas das regiões rurais, mas também das nossas principais regiões destino. Se o Algarve não dispuser de uma rede de monumentos e museus, conjuntos urbanos e etnográficos, sítios e paisagens reabilitados e conservados, e organizados em Circuitos e grandes Rotas, enquanto a serra algarvia continua a arder; se a BTL de Lisboa continuar a valorizar apenas os seus hotéis e centros de congressos e o fumo dos incêndios da Tapada de Mafra envolver de novo a cidade em cada Verão; se os 30.000 pequenos viticultores do Douro se arruinarem, eles que são a base agrícola da paisagem classificada como Património da Humanidade; se os oceanos não dispuserem de um plano estratégico; se o ensino não continuar a ser descentralizado mas também diversificado para responder às necessidades locais e regionais; se a indústria da construção civil e obras públicas, contra as tendência de evolução do mercado europeu, que na reabilitação do património arquitectónico gera de 60% do volume dos negócios e emprego qualificado, continuar a concentrar 90% dos seus negócios na obra nova e no baixo nível de qualificação dos seus trabalhadores; e o estado português inverter a lógica que nos anos últimos anos conduziu à criação de um Sistema de Informação e Gestão do Património, concebido pela DGEMN, capaz de redireccionar estrategicamente esta indústria e fornecer à gestão autárquica e ao turismo português a sua base tecnológica e patrimonial de e:learning, planeamento e gestão, ao nível internacional mais avançado ...Então de que nos valerão a OTA e o TGV?
 Coimbra, 23 de Dezembro de 2005
António dos Santos Queirós
Professor. Presidente da Liga de Amigos de Conimbriga



[1] Ideias chave do artigo, resumidas num "lay out" retirado do próprio texto:

 

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