Os Telhados de Vidro de Coimbra
António Santos Veloso, Presidente da Associação de Amigos da Margem Esquerda - St. Clara
A decisão de preterir Coimbra na candidatura Portuguesa a Capital Europeia da Cultura é, a vários títulos, injusta. Primeiro porque o Porto, próximo de Guimarães e na mesma região, foi a última cidade portuguesa a usufruir deste privilégio, que concentra grandes investimentos públicos e privados de qualificação urbana. Trata-se, portanto, de uma injustiça em termos de equilíbrio entre regiões. Também não é comparável a importância cultural e social das duas cidades, desde que o fundador da nacionalidade deixou Guimarães para estabelecer a capital em Coimbra.
Para esta decisão do Governo só encontramos duas razões, provavelmente acumuladas: escolher Guimarães terá menos custos para o Orçamento, o que está na moda, e é mais "politicamente correcto": é mais pequena, está mais avançada na reabilitação e animação do centro histórico e em equipamentos culturais e é politicamente mais sossegada.
Não vale a pena chorar sobre o leite derramado. Valerá, sim, reflectir sobre o porquê de ser tão fácil dizer não a Coimbra. Não cabe aqui aprofundar tal reflexão, desde a generalizada reacção ao secular monopólio universitário e à pretensão a capital regional, visível até na supressão da cidade nas tabuletas das estradas. Mas caberá perguntar, se as estratégias dos agentes políticos e sociais de Coimbra constituirão uma atitude e um exercício que se mostre minimamente eficaz e convincente. Até porque seria dissuasor das decisões que deixam a cidade para trás e um factor de coesão por um lobbying forte por Coimbra, que neste caso manifestamente faltou, tal como uma atempada candidatura formal do Município.
Não queremos ser derrotistas. É indispensável reafirmar os progressos que se vêm registando em Coimbra nos últimos 10 anos, desde a qualificação da Universidade no ensino, na investigação, na ligação ao meio, e não só no domínio da saúde, num empreendorismo mais inovador, até ao desenvolvimento de equipamentos e serviços, de vias de comunicação, da reabilitação do património, espaços verdes, etc.. Mas há sinais evidentes de que Município, Universidade e outros agentes sociais e económicos da cidade não possuem, cada um de per si e muito menos em articulação, estratégias definidas e continuadas, que ultrapassem o complexo de algum declínio sócio-económico e cultural comparativamente com outras cidades.
Como explicar que, sendo a Alta e a Baixa de Coimbra em termos de património, de turismo e de centro da vida urbana os pontos em que se deveria jogar mais forte, se retirem da Alta todas as faculdades com perspectivas de futuro, exceptuando o Direito? Não seria mais correcto instalar a Psicologia e a Arquitectura nos velhos colégios universitários e a faculdade de Educação Física junto do seu estádio, na Baixa, trazendo mais residentes, mais juventude e mais vida económica e social à Alta e à Baixa?
Como explicar que, devendo a cultura constituir um eixo estratégico do desenvolvimento de Coimbra, potenciando os serviços e o turismo, se tenha candidatado a cidade a um dos estádios do Euro 2004, o que necessariamente iria provocar um desinvestimento em outras vertentes? Será fácil agora criticar Manuel Machado! Mas o complexo que nos toca a todos ultrapassou a falta de coragem para que na altura conseguíssemos dizer não. Que sorte teve Viseu no não que lhe foi dado!
Como explicar a bela adormecida de Coimbra, o Museu da Ciência, que só agora parece começar a abrir os olhos? E a despromoção do apoio da Câmara às organizações culturais da cidade e às actividades da sua própria iniciativa? De que serviu a Coimbra ter sido Capital Nacional da Cultura?
Como explicar que estando em curso na Baixa de Santa Clara, parte integrante do centro histórico, obras de reabilitação e valorização de grande impacto para a cultura, a vida social e o turismo da cidade, se tenha ali complicado o trânsito e segurança de veículos e de peões, sem garantir a continuidade do Polis com as soluções viárias propostas pelo Arquitecto Gonçalo Byrne: passagem inferior do trânsito norte-sul a sul da ponte da Portagem e devolução do Rossio de Santa Clara aos peões com a passagem da Avenida João das Regras entre o estádio universitário e a banda oeste de edifícios do Rossio.
De facto Coimbra parece estar na "mó de baixo": está há quase um ano à espera de autorização do Estado para deslocar uma dúzia de sobreiros espontâneos, vegetando entre outras espécies e muito mato, medida indispensável para fazer uma avenida que daria acesso ao Centro de Saúde de Santa Clara, actualmente metido num beco sem saída e sem transportes eficazes? Razões ambientais não são de certeza, pois ainda na semana passada se noticiou a autorização de mais um abate no sul de centenas de hectares de montado para construção turística. Onde andam as "forças vivas" de Coimbra, os seus deputados?
Coimbra precisa de estratégias inovadoras, planeadas, coerentes e concertadas. Este será um dos exercícios mais necessários da "Cidade do Conhecimento", até porque agora teremos de lutar, unidos, para que não fiquem no tinteiro as grandes medidas estruturais que nos faltam, algumas já prometidas por este Governo: tram-train, vulgo metro, conclusão do Polis, reabilitação do centro histórico, conclusão do IC2 com nova travessia do Mondego, Centro de Congressos, etc.!
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